Violência obstétrica

Rachel Geber Corrêa, RGC, 19 de Julho de 2022

A violência obstétrica é uma violência praticada contra pessoas gestantes por profissionais de saúde. Se caracteriza pelo desrespeito, maus-tratos e abusos enfrentados durante a gestação e parto. Estamos discutindo a necessidade e importância da pessoa gestante terem autonomia e controle sobre seu corpo durante esse processo, tendo vontades e necessidades respeitadas.

Muitas mulheres, homens trans e pessoas não binárias passam por esse tipo de violência diariamente no país. Segundo pesquisa Nascer no Brasil, coordenada pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-FIOCRUZ), apenas metade dos nascimentos realizados são vistos como boas práticas obstétricas. Foi constatado ainda que apenas 5% dos partos ocorrem sem intervenções médicas.

Construyendo una imagen de la violencia ginecológica y obstétrica en Chile – La Juguera Magazine

Tendo em vista denúncias e crimes recentes sendo televisionados e comentados de forma mais assídua nas redes sociais é necessário que se fale da importância e urgência em desenvolver leis de proteção e amparo com soluções para tais problemas.

Rachel Geber Corrêa, Bióloga, Especialista em Gestão em Saúde, aluna de Pós Graduação em Saúde Coletiva, Mulher, mãe, feminista, ativista pelos direitos reprodutivos e sexuais e membra da Associação Humaniza Coletivo Feminsita, apresenta em seu texto uma breve discussão sobre a lei do acompanhante, prevenção do estupro e a violação desses direitos, confira;

A lei do acompanhante e a prevenção do estupro: uma breve discussão sobre violação de direitos.

O Brasil e o mundo pararam diante das cenas violentas, estarrecedoras e quase inacreditáveis de uma mulher sendo estuprada na sala da cirurgia, enquanto estava passando por uma cirurgia cesárea e seu bebê vinha ao mundo. Sedada, desacordada, dopada, vulnerável e totalmente indefesa nas mãos de um médico anestesista, homem, branco e jovem. Ele não se intimidou diante dos outros colegas que conduziam o procedimento cirúrgico, valendo-se do fino lençol fragilmente suspenso que separava a cena de horror e o nascimento de um bebê. Ela, violentada, não reagiu. Não havia possibilidade de reação. Seu corpo estava completamente anestesiado pelo médico que utilizou do seu conhecimento técnico e biomédico e dosou o fármaco para deixá-la inerte.

Para especialistas da atenção humanizada ao parto a primeira dúvida era: onde estava o acompanhante daquela mulher? Por que ela estava sozinha com os profissionais de saúde? Era protocolo daquela hospital? O médico proibiu o acompanhante? Quem proibiu? São tantas perguntas que ainda nos afligem, mas o que podemos concluir sem medo de errar, é que um direito fundamental foi violado: o direito de ter um acompanhante. E quem sabe se o acompanhante estivesse ao seu lado, o estupro não teria acontecido com ela e com tantas outras mulheres que sequer lembram do nascimento dos seus filhos, porque foram cruelmente sedadas até perderem os sentidos.

O Brasil já conta com um extenso arcabouço normativo a partir dos anos 2000 e um desses atos normativos é a Lei do Acompanhante. A Lei Federal n° 11.108/2005, garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, assim descrito: “Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato”. Outros atos normativos somam-se à lei do acompanhante e seguem sua orientação jurídica como a Resolução no 36, de 3 de junho de 2008 da Anvisa, as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, aprovada pela Portaria n° 353/2017 do Ministério da Saúde, entre outros.

O direito ao acompanhante é inquestionável. Não existe no Brasil possibilidade jurídica da sua violação por parte dos profissionais e por parte da unidade hospitalar, ainda que a mulher esteja na cirurgia cesárea e/ou que seja de alto risco. A vítima tinha o direito de escolher uma pessoa para estar ao seu lado durante o processo de anestesia, durante o procedimento cirúrgico em si e na sala da recuperação anestésica. Ela tinha o direito de escolher. Ninguém poderia fazê-lo por ela naquela situação.

E no Amazonas, as unidades hospitalares cumprem a Lei do Acompanhante na sua integralidade?

Por aqui o cenário não é diferente. As mulheres continuam sem o acompanhante durante as cirurgias cesáreas, aliás, ele é chamado no momento do nascimento de bebê e depois é novamente retirado do centro cirúrgico, não por escolha da mulher, não por falta de leis estaduais: Lei estadual n° 4.749 que garante assistência humanizada às mulheres durante o trabalho de parto, parto e pós-parto, em consonância às diretrizes nacionais e internacionais de atenção ao parto e Lei estadual n° 4.848 que dispõe sobre a implantação de medidas contra a violência obstétrica nas redes pública e particular de saúde do Estado do Amazonas.

No município de Itacoatira, no ano de 2021, aconteceu uma denúncia de estupro na unidade hospitalar de uma jovem mulher, grávida de poucas semanas. Novamente, ela estava sem o acompanhante, seu direito foi cerceado e seu corpo violado. Seguimos acompanhando o desfecho de mais esse crime.

Os dispositivos legais mencionados só vieram reafirmar as normas e diretrizes já vigentes em território nacional que estão relacionadas aos direitos das mulheres por um parto humanizado, baseado em evidências, acompanhado por profissionais treinados e capacitados e principalmente, livre de qualquer tipo de violência. O não cumprimento da Lei do Acompanhante possibilitou a conduta de um crime hediondo contra a vida de mulheres em situação de vulnerabilidade. O direito à atenção humanizada  de gestantes, parturientes, puérperas e mulheres em situação de abortamento previsto no Brasil precisa ser garantido na integralidade nas esferas municipal, estadual e federal. Não aceitamos que a assistência obstétrica no Amazonas, no Rio de Janeiro ou em qualquer outro município deste país seja mecanismo de banalização de práticas violentas e de legitimação de infrações legais.